Vi ontem na Alliance Francaise em Bangkok um filme apresentado pela Embaixada da Argentina, XXY de Lucia Puenzo, que deixa muito que pensar.
Este filme ganhou o Grande Prémio na Semana da Crítica do Festival de Cannes de 2007, o Prémio do Festival de Bangkok também em 2007, para além de várias outras menções pelo Mundo fora.
É um filme feito com um orçamento reduzido, e segundo disse a realizadora aqui em Bangkok, quando filmava, se falhavam algo numa cena não havia dinheiro para recomeçar o que exigia um grande rigor no trabalho de toda a equipa.
XXY aborda um tema que as sociedades mais fechada, como a nossa, não discute mas que afinal não é assim tão raro como se possa pensar. Fala do síndroma Kinefelter também conhecido por 47 que faz com que os portadores carreguem um cromossoma extra. Os homens e mulheres têm em suas células dois cromossomas: mulheres com XX e homens com XY. Quem nasce com a síndrome de Klinefelter herdam um cromossoma a mais da sua mãe e se tornam XXY, ou seja, hermafroditas.
O filme argentino conta a história de Alex, que nasceu com a síndrome XXY. Seus pais resolvem deixar a criança crescer com ambiguidade genital para que ela/ele resolva o sexo que irá adoptar quando crescer. É normal os pais à nascença optarem por uma cirurgia que vai determinar o sexo do recem nascido. Contudo isso trás por vezes complicações à criança na sua vida adulta. Mais informação pode ser vista no site da Intersex Sociatey of North America, ISNA.
Fala-se da vida turbulenta de Alex, da sua consciência de ser diferente e das dificuldades em conseguir um relacionamento normal. De igual modo os pais vivem tentando os tratamentos normalmente seguidos, neste caso, com hormonas femininas tentando aumentar a feminilidade de Alex, mas os seus genitais, duplos são um constante trauma e ainda mais a sua mente mais do que dividida, diferente. Alex, com 15 anos quando o pai lhe diz que se fará o que ela decidir tem como resposta " mas eu tenho de decidir?". A complexidade desta questão só pode ser entendida ou por quem vive este problema ou por quem tenha a mente profundamente aberta e desprovida de preconceitos.
São poucos os médicos que desaconselham a cirurgia precoce e os pais que aceitam criar filhos com ambiguidade genital. A atitude dos pais de Alex no filme argentino ainda não é a regra. Cada vez mais temos consciência da fluidez que existe entre as noções culturais de géneros feminino e masculino. A questão do intersexo faz-nos estar cientes que a rígida separação entre o sexo biológico masculino e feminino pode não ser na verdade tão rígida.
O filósofo Michel Foucault já abordava, no século XIX no Diário de Herculine Barbin, esta questão do Intersexo que levou Adelaide/Abel Barbin a viver como mulher até aos 21 anos e posteriormente como homem, até se suicidar.
É difícil falar de todo o conteúdo do filme por isso aconselho o visionamento do trailer abaixo para melhor começar a compreender a questão.
No final do filme houve um debate com a presença de uma advogada pertencente à Comissão Nacional dos Direitos Humanos, um quadro da UNESCO, um médico e um representante da Rainbow Foundation para além de uma portadora do Síndroma de Kinefelter que foi tratada com testosterona, para aumentar a sua masculinidade, até aos 12 anos e posteriormente, por falha deste tratamento com hormonas femininas tendo hoje assumido a entidade de uma mulher.
O médico disse uma grande verdade e que foi o que me mais me fez decidir escrever sobre este assunto.
A natureza nunca erra e é diversidade em si mesma. Assim a devemos aceitar. Quem não é normal é quem pensa que estas pessoas são "anormais". Quem está errado é quem tem preconceitos e não consegue ter a lucidez de discutir de frente os problemas. O fundamental é sabermos respeitar os outros e contribuir para o bem estar de cada um e de todos. Não seria de esperar outro tipo de afirmação de um budista mas é sempre bom relembrar o nosso dever de primordialmente respeitarmos os outros.
Contudo a questão do Intertsexo é uma questão tão complexa e capaz de produzir estigmas e angustiantes situações do foro psiquiátrico que só enfrentando, abertamente, essas situações e discutindo-as é que conseguimos evoluir para a sua melhor compreensão e para a criação de um ambiente de cordialidade e esperança neste Mundo.
Curioso é que só uma Constituição no Mundo reconhece a existência de três sexos no seu texto. O Masculino, o Feminino e o Intersexo, e essa é a Constituiçao da África do Sul.
Muita há ainda a percorrer no sentido de a tudo e todos compreendermos e aceitarmos.
Costumamos dizer que todos nascemos iguais, o que é uma grande verdade, apesar das diferenças que existem á nascença
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