sexta-feira, 19 de setembro de 2008

19 de Setembro



Há dois anos atrás neste dia o país acordou calmo, mas nos bastidores muitas das decisões que andavam a arrastar-se por vários meses desde que as eleições de Abril foram declaradas nulas, criavam algumas nuvens que mais tarde trariam a borrasca.

Nessa noite Mariza cantava em Bangkok, no Sun Wattana Tan, recital que foi aplaudido, de pé por 1089 pessoas, completamente rendidas ao charme da nossa "embaixadora" da canção. Nesse dia também, e logo após o concerto de Mariza, apelidado pelo Bangkok Post, "the best ever concert in Bangkok", o Embaixador Lima Pimentel fazia a sua festa de despedida após quatro anos em funções nesta capital.

Entre os dois momentos, o final do concerto e a deslocação para a sala contígua, onde se realizaria o jantar, soube-se que os militares, estavam em movimento para tomar o poder na Tailândia naquilo que seria o 18 Golpe de Estado durante o reinado do Rei Rama IX.

O então PM Thaksin encontrava-se em Nova Iorque na Assembleia Geral das Nações Unidas e de lá tentava encontrar forma de conter o golpe em curso. Fez um vídeo que foi para o ar por volta das 9.30 da noite, hora de Bangkok, no canal 9, demitindo o Chefe do Estado Maior e nomeando outro da sua confiança, mas tudo era demasiadamente tarde para ele e teve de seguir para o exílio, de onde voltou este ano a 27 de Fevereiro para de novo regressar a 10 de Agosto, agora com, já dois mandados de captura "à perna".

Alguma agitação começou a notar-se na passagem de uma sala para a outra embora ainda fossem só rumores, mais ou menos seguros, mas como a movimentação das tropas da 1ª divisão foi rápida e de pequena dimensão, devido à falta de opositores, ainda estávamos todos esperando notícias mais concretas .

O concerto tinha sido presidido por SAR a Princesa Galyani Vadhana, irmã muito estimada do Rei, grande patrona das artes na Tailândia e que veio a falecer este ano no dia 2 de Janeiro. Dizia-se depois de que o golpe tinha sido atrasado para permitir que a Princesa chegasse ao palácio sem incidentes.

Começou o jantar e de repente a maioria dos convidados estava agarrada aos telemóveis sabendo noticias e confirmando-se aquilo que na realidade aconteceu.

O General Sondhi Boonyaratglin, Chefe do Estado Maior do Exército Tailandês, tinha tomado o poder, numa acção que tinha tido o apoio de todos os outros chefes militares e ainda do comando da Polícia. Deste modo podia dizer-se que não havia armas de fora. Todas estavam apontadas ao mesmo alvo.

O jantar prosseguiu para a maioria dos presentes e Mariza, que no dia seguinte tinha de sair do hotel, na outra ponta da cidade às 5 da manhâ para voar para Seul onde iria actuar, manteve-se calma e disponível, até cerca da meia noite, altura que abandonamos o local.

A noite estava calma, anormalmente calma sem trânsito, e durou pouco mais de 10 minutos a fazer-se o trajecto até á Residência de Portugal, onde toda a noite foram relatados os acontecimentos para Lisboa, um trajecto que em condições normais duraria nunca menos do que 45 minutos.

Nenhuma bala chegou a ser disparada, poucas tropas se viam pela cidade a não ser junto do Government House e zonas Ministeriais, e em poucos dias tudo voltou á normalidade com a nomeação do Governo do General na reserva Surayud Chulanon que durante 14 meses governou o país e preparou as eleições de 23 de Dezembro de 2007 de onde saiu vitorioso de novo o idário de Thaksin Shinawatra agora incarnado em Samak Sundaravej. O resto ainda é história recente.

Dois anos se passaram mas o pano de fundo é exactamente o mesmo. A divisão de um país que ainda não encontrou a forma de conciliar duas ideias de sociedade contrárias e antagónicas. Uma aristocracia conservadora, por vezes reaccionária e também anarquista, e uma burguesia liberal pretensamente democrática mas que com baixos valores culturais se deixa entediar facilmente pelo submundo.

Quando a Tailândia conseguir encontrar alguém que consiga unir o que de bom possa existir nestes dois conceitos, e seja um líder, vai por certo avançar pois não tenham duvidas que este povo tem a garra, a coragem e a vontade de seguir em frente.

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