quinta-feira, 11 de novembro de 2010

A Corrupção


Três acontecimentos coexistem neste momento no país e entre eles há uma ligação que se dispensaria.

Após as eleições (?) realizadas na vizinha Birmânia através das quais os generais tentam obter a certificação e continuação da sua ditadura de vinte anos, tem havido em vários pontos da longa fronteira com a Tailândia escaramuças com os movimentos armados de várias etnias que resistem à tentativa do governo central de os controlar e aniquilar. Há registos de centenas de mortos nos confrontos mas no que respeita à Tailândia há um novo fluxo de refugiados a cruzarem as fronteiras e a serem colocados em campos de acolhimento temporários visto os campos de refugiados geridos pela comunidade internacional estarem saturados com os cerca de 160.000 refugiados aí registados. Os confrontos na fronteira já fizeram inclusive feridos do lado da cá da fronteira devido ao fogo que (sem passaporte como os refugiados) atravessa os estreitos riachos que separam os dois países. As autoridades tailandesas têm usado extrema cautela pois sabem que qualquer acto de retaliação pode fazer estalar um conflito latente que ninguém deseja. Desse modo têm mantido conversações com as forças militares do outro lado de forma a recomendar que sejam evitados todos esses incidentes transfronteiriços.

A história dos campos de refugiados é uma história infelizmente bastante obscura e isso não é devido às pessoas que acorrem a pedir auxílio. Há abertura regulares para que mais refugiados possam ser acolhidos ao mesmo tempo que muitos dos países doadores acolhem pessoas que se encontram nos campos. Isso seria o processo normal e com um sinal positivo se não fosse por si manchado por forte corrupção no alinhamento daqueles que acedem às novas entradas e saídas. As autoridades que controlam os campos (as ONG só podem fazer a gestão dentro do campo mas o escrutínio de quem entra e sai é-lhes vedado) escolhem a dedo quem lhes paga para ter essa sorte de aceder a um campo que lhes pode proporcionar um futuro.

Outra história é a das cheias que continuam a flagelar o país um pouco por todo o lado. Os dados oficiais apontam para que 60 das 76 províncias estão ainda afectadas pelas cheias, 203 pessoas são dadas como mortas (fora os desaparecidos) e os prejuízos para a economia do país são tremendos. O governo e muitas instituições e pessoas anónimas acorreram a criar fundos de apoio mas é agora sabido que a maioria desses fundos acaba nos bolsos de oportunistas fundamentalmente funcionários estatais que vão acumulando à custa da desgraça alheia.

A terceira é o facto de estar a decorrer em Bangkok a 14ª Conferência Mundial Contra a Corrupção, ontem aberta pelo PM Abhisit. Larga audiência de mais de 1.300 delegados vindos de 135 países reúne-se durante 4 dias para debater esse flagelo mundial chamado Corrupção. Abhisit falou bem ontem e não se escondeu detrás de cortinas enfrentado a realidade no seu país. Contudo uma coisa é um discurso de valores, de intenções e outra a prática possível num país onde mais de 80% das pessoas entende que a corrupção é um "facto da vida" e onde mais de 1/6 dos gastos em concursos públicos acabam desviados do seu objectivo como afirmou ontem o presidente da Comissão Nacional Contra a Corrupção (NACC).

Abhisit sabe bem o que é esse cancro, como lhe chamou o presidente da NACC, pois convive com ele no seu gabinete e nos seus parceiros de coligação que o ajudam a manter no poder (lembre-se que o partido de Abhisit não é o que tem mais Deputados no Parlamento). Os escândalos que têm envolvido este governo, apesar da credibilidade do seu PM e de alguns dos Ministros da sua "entourage", são já bem superiores aos que aconteceram durante o período thaksinista facto que fez com que a Tailândia descesse fortemente nos dois índices mundiais que são medidos quer pelas Nações Unidas e pela Transparency International.

Não há que estar aqui a culpar isoladamente o país já que este é um fenómeno mundial. O que importa é combater desde cedo estas questões e lutar por uma ética nos negócios e entre os agentes do estado que dignifique o país.

Um jovem presente na conferência e representante de um movimento africano de Juventude contra a Corrupção perguntou a Abhisit o que é que a Tailândia estava a fazer para ensinar desde o inicio da escolaridade princípios de boa ética e viu-se pela resposta do PM que há ainda muito, mesmo muito, trabalho pela frente.

E esse trabalho é de todos nós e devemos lembrar uma coisa que Abhisit referiu. Não há "boa corrupção". A velha ideia de que se o agente corrupto produz trabalho está perdoado não é, de igual modo, aceitável.


terça-feira, 9 de novembro de 2010

Hu Jintao em Portugal

A visita do Presidente Hu Jintao a Portugal trouxe para as primeiras páginas dos jornais portugueses a "ajuda" que a China pode dar a Portugal nestes tempos tão conturbados para o país, o seu povo e a sua economia.

A questão tem de ser vista num contexto muito mais vasto do que a simples visita de um chefe de estado e a assinatura de alguns acordos que o Governo português usa para sua promoção e publicidade interna.

Não é por acaso que a revista Forbes considerou este ano Hu o homem mais poderoso do Mundo relegando para um plano secundário Obama que tinha ganho o mesmo "título" no ano passado.

A diplomacia externa Chinesa da era Hu Jintao tem sido uma das componentes mais fortes da politica desta potência. A abertura do país à política dos dois sistemas começou com Deng mas Hu entendeu que haveria muito mais a fazer do que somente deixar que algumas zonas do país ganhassem um desenvolvimento desproporcional com outras. Aliás esse desenvolvimento não corrigido era por si só uma ameaça á estabilidade necessária para o desígnio da nação chinesa de "conquistar o mundo".

Hu corrigiu algumas assimetrias, introduziu métodos mais consistentes com as necessidades dos seus clientes ocidentais (lembre-se a forma enérgica como foram condenados os falsificadores do leite para crianças), e tem continuado a política de Deng de ser o banqueiro dos Estados Unidos com a diferença de que estendeu essa prática a outros países especialmente aqueles que podem contribuir para ajudar a China nesse seu propósito de dominação pela força da sua economia.

As próximas cimeiras da APEC e do G-20 são mais dois passos na verificação do domínio chinês e da forma como esse domínio no sector financeiro é a "salvação" das economias mundiais em crise no ocidente. Essa mesma foi já a expectativa da cimeira dos Ministros das Finanças da APEC reunidos esta semana em Kyoto.

Vários países ainda têm dúvidas sobre acreditarem ou não no crescente poderio chinês, Brasil incluído, mas aqueles têm a paciência necessária para esperar e continuar a sua política de suavemente tomarem posições nos vários fora mundiais.

O Fundo Monetário Internacional na sua reunião de Sexta-feira passada colocou a China como a terceira voz mais importante no seu Conselho, depois dos EEUU e do Japão.

O governo chinês soube durante a crise económica dos últimos 18 meses, e que ainda subsiste em parte, impulsionar a procura interna de tal forma que mostrou ao mundo que o facto de a procura externa ter decaído, devido aos problemas no ocidente, não era um impeditivo para o desenvolvimento da economia na China e que este país pode ser o motor da recuperação. A permanente batalha entre os EEUU e a China sobre o valor do Yuan, acaba sempre por ser ganha pela China que abre um pouco a gaveta quando quer e a fecha no momento seguinte. Mesmo as questões dos direitos humanos (exemplo o recente Nobel atribuído ao activista Chinês Liu Xiaobo), não conseguem criar obstáculos na progressão ao mesmo tempo suave e firme dos avanços do "império amarelo".

A visita de Hu a Portugal e os grandes ecos feitos sobre ela não podem deixar de ser desassociados da próxima presença de Portugal no Conselho de Segurança das Nações Unidas e da estratégia global da China em aproximar-se do Mundo de língua portuguesa (Brasil e Angola especialmente) devido aos seus recursos naturais, tão necessários para o apoio do crescimento económico chinês. A China através de imensos mecanismos, financeiros e económicos, tem hoje uma presença forte e determinante nos dois referidos países. Em 2004 quando Angola estava num momento de grave crise financeira foi o governo da China que avançou com dois pacotes de 10 mil milhões de dólares cada que foram usados como um balão de oxigénio para a nação africana. Nesse momento o país já não conseguia dar garantias para os empréstimos externos e a China soube contornar esse problema para em vez de pedir petróleo pedir o desenvolvimento das infra-estruturas que hoje estão a ser feitas por empresas chinesas em Angola. A China é de um pragmatismo que não tem comparação com a mentalidade ocidental e dessa forma, que apelidei atrás de suave e firme, vão avançando e conquistando as posições, quer nos países quer nas organizações internacionais, que lhes darão de mão beijada a liderança a curto prazo do curso da história do nosso planeta.

Será bom, será mau? O tempo o dirá mas o facto é quem ignorar esta realidade está de olhos e ouvidos tapados e é por certo cego.