sábado, 12 de fevereiro de 2011

Os Deuses devem estar loucos

Ontem ao ver o desenvolvimento das questöes relacionadas com a contenda fronteiriça entre o Camboja e a Tailândia lembrei-me do filme Sul-Africano de 1980 "Os Deuses devem estar loucos" não por causa da bela história que aí se conta mas pelo seu titulo.

Na realidade parece que alguém está enloquecendo e quem sofre são as populaçöes da fronteira. Ontem mesmo em conversa com um amigo que vive em Kataralak, o principal conselho na zona de confrontos no lado tailandês, este relatava-me o descontentamento das populaçōes com a situação.

Na Quinta-feira, e na sequência das diligências indonésias, foi tomada a decisāo do Conselho de Segurança da ONU de agendar para o próximo dia 14 uma reunião daquele orgão para o qual foram convidados os dois países. Pareceria que as partes em disputa se iriam concentrar nesse ponto como o próximo passo mas parece que não.

O General Prauyth Chan-ocha, comandante supremo do exército tailandês ordenou o envio para a zone da fronteira de mais 20.000 homens. Entretanto o comandante da região militar 2, a que comada as tropas estacionadas junto da fronteira, encomendou amuletos para distribuir aos soldados "para se protegerem da magia negra Khmer".

Há uma crença de que os povos Khmer são muito poderosos com os seus apelos aos deuses (uso propositadamente minúscula) e que o que está acontecer à Tailândia deve-se aos actos de magia negra feitos pela mulher de Hun Sen, o líder cambojano, no templo de Phrae Vhiearn há pouch mais de 2 anos. Falando do templo há dois factos mais a ajudar à minha observação inicial. O nome de código da operação militar é "Phrae Vhiearn battlefield", muito apropriado para desanuviar tensōes.

O outro é ainda mais louco: o líder amarelo Sondhi L. disse no estrado montado na manifestação que prossegue em Makawan, na Quinta à noite, que a Tailândia tem um líder fraco , referindo-se a Abhisit, e o que o país devia fazer era invadir o Camboja conquistar o templo de Angkor e a Ilha de Kut e só depois entrar em negociaçōes pois assim os cambojanos teriam de "devolver" Phrae Vhiaern visto ficarem numa posição de fraqueza! Muito educativo.

Parece-me que quem está louco não são os Deuses!

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Mediação

O Ministro dos Negócios Estrangeiros da Indonésia mostrou a sua habilidade diplomática e, em coordenação com a presidência do Conselho de Segurança, conseguiu organizar uma reunião conjunta dos ministros dos estrangeiros tailandês e cambojano em Nova York sob os auspícios do Conselho de Segurança e com o apoio da presidência da ASEAN, como vem referido no comunicado. A reunião terá lugar no próximo dia 14, Dia de São Valentim padroeiro e promotor na longínqua Roma dos casamentos, o que pode ser bom prenúncio.

Abhisit vinha reclamando sempre que o conflito deveria ser resolvido através de consultas e discussões bilaterais mas o formato conseguido assegura que não seja totalmente posta de parte essa vontade de não internacionalizar o conflito com a sua internacionalização na prática.

O governo de Abhisit quer a todo o custo evitar que o assunto lhe escape das mãos e venha a haver nova decisão, como a do Tribunal Internacional de 1962, sabendo ele que quer os documentos, quer a prática quer o próprio direito internacional não lhe são favoráveis.

O Doutor Marty Natalengwa conseguiu mais uma vez mostrar a utilidade da ASEAN e a capacidade da liderança Indonésia para a região. Hoje num almoço com um jornalista tido por ser o maior especialista em assuntos referentes com a ASEAN ele falava-me disso mas alertava para o facto de que após a presidência da Indonésia nada de bom se avista para a associação com as três presidências que estão alinhadas: Camboja, Brunei e Birmânia. Também outro dia um dos mais proeminentes professores de Chulalongkorn dizia-me mais ao menos o mesmo quando referia o quanto gostaria de ter a Indonésia por 4 anos à frente da ASEAN. Marty é casado com uma senhora tailandesa e passa muito do seu tempo aqui pelo que conhece muito do país sem que isso lhe retire a legitimidade e a independência para actuar.

Entretanto do lado amarelo PAD vieram algumas novidades. A anunciada grande marcha para um "local importante" pode não vir a realizar-se já que o número de manifestantes é extremamente reduzido não ultrapassando segundo muitas fontes os 300, embora tenham montado um grande acampamento em Rajadamnoen bloqueando uma boa parte da avenida e das zonas circundantes. No Domingo à noite passei por lá e nem luz se via. Só se viam as grades que instalaram a rodear toda a zona ocupada.

Outra notícia que se espalhou hoje, e nada espanta, foi que Sondhi L., o mediático líder amarelo, se encontrou com Thaksin no Kuwait. Recorde-se que estes inimigos figadais (?) foram durante muitos anos parceiros de negócios e só quando Thaksin, aliás como fez com quase todos os que o rodeavam, passou a tratar todos como seus empregados e apoderou-se das rédeas de todos os negócios que com eles partilhava, se separaram e antagonizaram.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O Conflito na Fronteira

A situação no terreno acalmou e ambas as partes estão envolvidas neste momento numa outra frente, a diplomática.

Depois da queixa apresentada pelo Camboja junto do Conselho de Segurança o governo da Tailândia respondeu na mesma moeda enviando uma carta para a presidente do CS expondo os argumentos do lado tailandês, que obviamente são contrários aos do Camboja. A Brasileira Maria Luísa Ribeiro Viotti, que preside ao CS, já informou todos os membros e o assunto estava para ser discutido na reunião normal no ponto "outros assuntos" mas sabe-se que, pelo menos um dos membros requereu que o assunto fosse discutido numa reunião expressamente convocada para o efeito. A presidente do CS entretanto falou também com o Embaixador Marty da Indonésia, ele próprio o ex Embaixador do país junto das Nações Unidas, no sentido de solicitar a sua ajuda como presidente em exercício da ASEAN.

Entretanto os dois ministérios dos Estrangeiros avançaram numa campanha, iniciada por Phnom Penh, convidando os diplomatas a visitar os campos de desalojados e a observar os danos causados, pela outra parte, de forma a sensibilizar esta comunidade dos actos de "agressão" perpetrados pelo inimigo.

O Ministro Indonésio dos Negócios Estrangeiros Marty prossegue a sua viagem aos dois países, hoje em Bangkok, no sentido de obter alguma solução para a contenda. Mostrando o interesse que a região tem para si, e de alguma forma uma inovação na condução na política externa, a Republica Popular da China emitiu ontem um comunicado onde diz serem ambos os países "vizinhos amigos da China" e esperando que as partes se contenham e encontrem uma solução para os seus problemas comuns.
A Tailândia tem sido bastante clara em sempre rejeitar qualquer tipo de mediação ou internacionalização do conflito porventura tendo a consciência de que a forma como no passado defenderam a questão não lhes foi favorável e criou precedentes de direito internacional adversos. Em 1962 quando o Tribunal Internacional de Justiça decidiu a titularidade do templo para o Camboja a Tailândia em vez de interpor recurso simplesmente criticou o Camboja e a decisão do tribunal, alegando a discutibilidade dos documentos usados para suportar a sentença. Nessa altura a reacção tailandesa e do seu primeiro Ministro Sarit Thanarat, que chegou ao poder em 1957 através de um golpe de estado, foi violenta ao ponto de ter tido o Rei Rama IX (actual monarca) de intervir, falado e explicando que o país deveria obedecer à sentença do tribunal.

Enquanto o governo tailandês se empenha na luta diplomática porventura na tentativa de encontrar forma de terminar com um conflito que a ninguém serve o exército desta vez é muito menos cooperativo. O seu porta-voz, o Coronel Sansern ontem de manha veio dizer que não havia mais conversas com a parte cambojana para à noite ter sido ainda menos diplomático e infeliz dizendo que "estamos preocupados de que nos acusem de estarmos a abusar de um vizinho menor" (referindo-se à inferior capacidade militar), palavras que foram muito mal recebidas mesmo nos círculos governamentais.

Entretanto os amarelos do PAD e dos Patriotas preparam a "marcha para uma importante posição" que terá lugar no dia 11. O facto de não se saber onde é tal lugar faz correr as mais variadas especulações, inclusive que pode ser na fronteira para tornar a situação ainda mais tensa, mas já fez com que o governo decidisse hoje declarar que seja aplicado o artigo 2º do Internal Security Act, facto que permitirá uma mais fácil actuação dos militares.

Há quem especule que tudo isto não passa de uma escalada da tensão para mostrar a necessidade de uma intervenção militar "já que o governo é incapaz de manter a ordem".

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Correcção

No anterior comentário sobre a situação referi que haveria centenas de desalojados contudo o número é de muito maiores proporções.

Do lado tailandês estavam pelas 14:00 locais colocados em 38 campos temporários de acolhimento 15.638 pessoas do distrito de Kantharalak, província de Si Sa Ket, informação obtida junto da sede do município.

Do lado do Camboja não se conhecem dados oficiais mas sabe-se que foram evacuados todos aqueles que vivem perto da fronteira e o aceso à zona onde o conflito se mantém está totalmente cortado só podendo aí transitarem forças militares.

Entretanto o mais importante posto fronteiriço, Aranyaprathet - Paoy Phet está encerrado. É por esta fronteira que diariamente passam a grande maioria de pessoas e bens que abastecem os dois países o que já está a causar transtorno naqueles que vivem dessa relação comercial e nas populações em geral.

Entretanto o foco do lado da Tailândia virou-se um pouco mais para o lado político depois dos muitos apelos internacionais à restrição no uso dos meios militares e às tentativas de mediação, e está agora concentrado sobre a queixa apresentada pelo Camboja no Conselho de Segurança.

Espera-se que assim continue e ambas as partes entendam que nada há a ganharem numa guerra completamente despropositada e só iniciada por pressóes da política interna.

Conflito na Fronteira

Depois do cessar-fogo acordado no final do Sábado as tropas dos dois países voltaram a trocar tiros no Domingo ao fim do dia e hoje, Segunda-feira desde as 4 da madrugada.

Ambas as partes acusam a outra de ter dado início às hostilidades e na verdade parece terem sido os cambojanos os primeiros a disparar num acto de retaliação contra a intrusão das tropas tailandesas que tentaram obstruir com tanques e outro material pesado, os trabalhos de construção, pelos cambojanos, de uma estrada, junto do Templo de Phrae Vihearn, na área tida pela Tailândia como "em disputa" e pelo Camboja como "parte do território khmer".

O cessar-fogo parece ter sido uma encenação de uma cena de uma novela que tem um argumento muito complexo.

Em Junho de 2008 o movimento amarelo do PAD aproveitou-se do acordo assinado pelos dois países para propor à UNESCO a candidatura do templo da discórdia para iniciar uma campanha nacionalista que lhes desse algum fôlego na luta contra o governo de Samak Sundaravej. Até então estava em normal funcionamento o Joint Border Commission, instrumento saído do Acordo assinado por ambos os países em 2000 e que é a plataforma necessária para discutir as questões relacionadas com a demarcação de fronteiras.

Há 702 km de fronteira entre os dois países que estão precariamente demarcados e ambas as partes usam diferentes mapas. Note-se que alguns dos mapas datam dos tempos coloniais franceses e foram mesmo assinados pelos siameses em contextos de salvaguarda da soberania e no intuito de evitar incursões quer francesas no que respeita à fronteira leste quer inglesas no que respeita as fronteiriças sul e oeste.

Esta fraca demarcação é uma realidade com a qual os dois países têm vivido e o mais importante é que as populações das zonas fronteiriças vivem em plena comunhão e essencialmente do comércio comum que sempre se estabelece nestes casos. As fronteiras são por vezes tão pouco claras que me lembro um dia de ter atravessado do Laos para o Camboja, na província de Champasak onde a fronteira é simplesmente uma barreira numa estrada rudimentar. Passar a linha que supostamente divide os dois países 50 metros para a direita ou para a esquerda é completamente possível e acontece mesmo sem disso se ter a consciência. Assim são muitas das zonas adjacentes ao templo acrescendo a isso o facto de cada país usar um mapa diferente onde se puxa ou empurra a linha imaginária da fronteira de acordo com os interesses do momento.

Os assuntos de política interna e a necessidade de satisfazer clientelas, fundamentalmente nas duas capitais acaba por acirrar os humores e os resultados estão à vista.

Há neste momento material de artilharia pesado frente a frente e os 4,6 km2 na zona adjacente ao templo e que pertence a ambos os países de acordo com interpretação individual que agora fazem (note-se que o JBC reconhece tal pedaço de terreno como "território em disputa") e este facto por si só faz com que disparos ocorram apesar do "declarado" cessar-fogo.

Para além dessas escaramuças militares também civis de ambos os países têm sido alvos do fogo e largas centenas tiveram de ser evacuados do local depois das suas vilas terem sido fortemente atingidas por morteirada contrária.

Tem também havido intervenção da aviação mas pelo momento tal tem sido somente como apoio às operações no terreno.

Os números de mortos e feridos de cada um dos lados não é claro mas deve contar-se ainda com um dígito embora no Sábado, instigado por um comentário de um dos mais próximos colaboradores da Abhisit, um jornal tailandês tivesse colocado em primeira página que teriam sido mortos 60 cambojanos, facto que nenhum outro jornal, nem deste nem do outro lado relatou ou confirmou.

Esta manha o porta-voz do exército tailandês mostrou o endurecimento da posição ao afirmar que tinha terminado o tempo para negociações.

Quer o secretariado-geral da ASEAN, quer a presidência Indonésia quer Singapura já vieram apelar à contenção a disponibilizar-se para mediar a disputa oferta de imediato recusada por Abhisit.

Entretanto o Camboja já enviou o caso para o Conselho de Segurança na ONU acusando a Tailândia de agressão e de ter causados danos no templo de Pharae Vihaern, facto que levou o Ministro Kasit a convocar todos os Embaixadores da ASEAN (excepto Camboja) mais os dos países membros do Conselho de Segurança para lhes descrever a posição tailandesa.

Hoje mesmo o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Indonésia, Marty Natalagwa, um diplomata de grande prestígio, vai a Phnom Penh e Bangkok e por certo irá discutir com os dois governos a actual tensão.

Um detalhe não muito mencionado mas que de alguma forma cria atritos na dissuasão do problema é o facto do Parlamento tailandês ainda não ter aprovado as minutas da última reunião da JBC, que ocorreu há 18 meses, e desse modo inviabiliza a continuação dos trabalhos. De acordo com a presente constituição, artigo 190, todas as decisões em acordos de qualquer tipo em questões bi ou multi laterais têm obrigatoriamente de ser aprovadas previamente pelo Parlamento. Note-se, a título de exemplo, que a agenda de uma reunião de alto nível entre a Tailândia e um outro país tem de obter prévia aprovação parlamentar para poder prosseguir. De outro modo só se pode realizar mas não poderá haver nenhuma decisão ou acordo. Tal artigo, que eventualmente poderá ser emendado na alteração ao texto constitucional presentemente em discussão, tem sido um forte entrave à política externa tailandesa.