quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Justiça?

Já por várias vezes me referi ao caso Santika como um exemplo de mau serviço à Justiça.

Relembrando: na noite de 31 de Dezembro de 2008 na zona de Ekkamai em Bangkok muitos celebravam o entrada do Ano Novo num clube com o nome Santika. O fogo tomou conta da velha instalação, houve pânico, pessoas tentando encontrar as saídas de emergência, enfim o normal numa situação daquelas e tudo terminou com a destruição do edifício a morte de 66 pessoas e ferimentos e queimaduras em muitas mais algumas das quais ainda hoje estão desfiguradas e não conseguem retomar a vida normal que até esse momento tinham.

A Polícia tomou conta da ocorrência, iniciou as investigações e tudo se arrastou até ontem. Entretanto na altura o Ministério do Interior elaborou também um inquérito onde se fazia referência à total falta de regras de segurança no local, à não existência de licença para operar e ao facto de estarem envolvidos no funcionamento do clube altas patentes da Polícia (o que sempre acontece) e funcionários da municipalidade.


As investigação começou a criar a ideia no público que tudo tinha sido causa da inadvertência do líder da banda que actuava no local (com o nome fatídico de Burn) nunca se referindo nem à falta de inspecção pelos bombeiros ou outros agentes de segurança do governo de Bangkok nem ao facto de serem conhecidas muitas e variadas irregularidades no funcionamento legal do clube.

Ontem o Tribunal decidiu o caso condenando o responsável da empresa que instalou o sistema de som e luz no local e um dos gerentes (fala-se que na realidade era o arrumador de carros do clube) do clube a 3 anos de cadeia e 20.000 baht (500 euros) de multa sendo que saíram ambos em liberdade com uma caução prestada na altura.

Conseguir uma pena de três anos de cadeia, com liberdade condicional, pela morte de 66 pessoas e a desfiguração e destruição da vida de muitos, dá para pensar não só em termos absolutos como em termos relativos com outro tipo de penas que são aplicadas no país.


Quem ousar dizer ou escrever algo que a elite dominante no país não gostar arrisca-se a pelo menos 15 anos de cadeia e há presentemente muitos exemplos disso. Quem possuir umas gramas de drogas arrisca a pena capital ou pelo menos 20 anos de cadeia. Há neste momento cerca de 700 pessoas no "corredor da morte" e a grossa maioria é por casos relacionados com drogas. Agora mesmo há 60 pessoas, camisas vermelhos "menores" ou simplesmente porque estavam no local errado no dia errado e que foram apanhadas no meio da confusão dos incidentes de Abril/Maio de 2010, encarceradas ainda sem acusação e os "senhores" do Santika são libertos.

Esta "justiça" dá muito que pensar!

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Uma data para reflectir.

Neste mesmo dia há 5 anos o general Sonthi Boonyaratglin, então Chefe do Estado Maior do Exército e actual Deputado eleito pelo partido Matubhum do qual é o fundador e líder, liderou um movimento para derrubar o governo eleito de Thaksin Shinawatra.

Sondhi B., como é conhecido para se distinguir do líder amarelo Sondhi L., foi o primeiro e único Muçulmano que chegou à posição de chefe do exército e é considerado um bilionário que segue mais a sua fé do que as leis do país como o demonstra o facto de ser conhecida a sua situação de bígamo (Sondhi tem duas mulheres) o que é proibido pela lei tailandesa mas o general nunca foi levado a juízo por isso.

Nesse dia em 2006 os militares saíram à rua pela calada da noite e, sem oposição, tomaram conta das posições chaves da governação depondo o então primeiro ministro Thaksin Shinawatra.

Este último encontrava-se em Nova Iorque a participar na Assembleia-geral das Nações Unidas e o golpe pode consumar-se rapidamente e sem nenhuma oposição. Nessa mesma noite, já por volta da 1 da manhã do dia 20, o Rei Rama IX recebeu Sondhi no palácio em Bangkok e desse modo "terminaram" as acções do golpe de estado. Recorde-se que faz também hoje três anos que o monarca tailandês está recolhido no hospital Siriraj de modo a melhor poder ser acompanhado pelos seus médicos e pessoal de enfermagem que cuida da sua saúde.

O golpe de 2006 tinha por objectivo destronar "o poder corrupto de Thaksin e devolver a democracia ao povo".

Na Tailândia há uma noção estranha de que quando o sistema democrático não funciona, por deficiências do próprio sistema ou por falta da sua aplicação correcta e eficaz, a solução é a intervenção dos militares ou do sistema judicial para interromper o normal funcionamento da democracia e recomeçar de novo estilo "rewind and reset". Assim tem sido ao longo do conturbado processo democrático tailandês que já conta com 18 golpes levados a cabo ou tentados e 17 constituições tudo isto em 79 anos de monarquia constitucional


Passados 5 anos muitos olham para trás para o golpe de 2006 e perguntam-se qual foi o benefício para o país.

É muito mais fácil escrever sobre as coisas que falharam no pós-golpe do que sobre os méritos daquela acção e os próprios militares sabem bem o custo que isso teve para o prestígio deles e para o país.

Nos 5 anos que se seguiram o país foi incapaz de condenar Thaksin a mais do que um simples conflito de interesses (hoje mesmo em causa pois o motivo da condenação acabou por ser recentemente considerado nulo, cassando portanto a causa, pelo Supremo Tribunal de Justiça), foi incapaz de reformar o sistema político e viu o partido de Thaksin ganhar duas eleições (2007 e 2011) e viu de igaul modo o país cair numa profunda divisão interna com os confrontos que são conhecidos e as consequências que irão levar muitos anos a solucionar.


Após 19 de Setembro de 2006 o país teve uma nova Constituição que em si é menos democrática do que a anterior e basta ver dois artigos para comprovar isso. Um estabelece imunidade total para os autores do golpe de 2006 e outro cria uma câmara, o Senado, em que metade dos seus membros não é sujeito a eleição mas sim nomeados por agências do estado. Note-se que essas próprias agências, tribunais de última instância incluídos, viram todos, repito todos, os seus membros nomeados no pós golpe, alguns no próprio dia 20 de Setembro, e por um período de 7 anos de forma a que essas agências garantissem a "boa execução dos princípios que guiaram o golpe de 2006".

Thaksin, o indesejado pelos golpistas de 2006 e por todos os seus apoiantes, acabou por ser poupado por estes mesmos, através da sua incompetência e inabilidade para o condenar pelo menos por um dos muitos casos em que poderia, e deveria, ter sido sentenciado.

Thaksin acabou por ver fortalecida a sua posição, e o país a sua divisão, ganhando por duas vezes, eleições legislativas sendo que as últimas de 3 de Julho passado, por uma muito confortável maioria. Os perdedores clamam que os vencedores compraram os votos mas quanto a isso só queria recordar uma declaração de um professor catedrático conhecido eleitor dos Democratas que dizia o seguinte quando confrontado com perguntas sobre o montante de dinheiro dito ter sido gasto por Thaksin. "Não pode haver comparação com o dinheiro gasto por Khun Thaksin com o que foi gasto pelo governo e os partidos que o apoiam nesta campanha. O valor do orçamento do estado que foi utilizando directamente na "compra" de boas intencções nas eleições é dezenas de vezes superior ao gasto pelo ex PM".

O governo anterior de Abhisit esteve no poder durante 2 anos e meio e, apesar de todo o apoio daqueles que puxam os cordéis no palco e nos bastidores e que o ajudaram a chegar ao poder embora tivesse à partida menos 57 deputados que o partido de Thaksin, também nada fez que conseguisse mostrar ao povo que o caminho para um futuro democrático era com o partido que dirige, os Democratas, e não voltando-se de novo para o fugitivo ex primeiro ministro.

Estes 5 anos também fizeram aumentar exponencialmente a divisão entre o povo tailandês, agora identificada através das cores vermelha e amarela, e de alguma forma conseguiu que nem as vozes independentes consigam ser ouvidas pois acabam sempre por ser tidas por apoiantes de uma ou outra das cores antagónicas.

Para além dos problemas sociais internos a Tailândia perdeu imenso no panorama internacional e se dantes era o ponto focal e o pivot da região hoje passou a estado isolado e com fortes problemas de relações com todos os seus vizinhos. A comunidade internacional que antes via a Tailândia como um país democrático e capaz de influenciar positivamente nesse sentido os seus vizinhos, deixou de acreditar no dirigentes e tem mantido fortes reservas e fundados receios de que a força das armas se faça de novo sentir do que os constantes rumores de golpes de estado, e seus desmentidos pelos comandos militares, são testemunho.

Todos os países na região avançaram, até a Birmânia, e a Tailândia continua a marcar passo sem que se encontre um caminho recto para o futuro.

Como muitas vezes já referi a falta de um sistema independente e uniforme de justiça tem sido um entrave num país onde violar a lei por alguém pertencente a uma elite nunca é punido. Note-se que quando se fala em elites deve incluir-se a presentemente no poder pois neste aspecto não se diferencia muito da anterior. Thaksin é ele mesmo o "padrinho" de uma das dez famílias que no final de contas dita as ordens no país.

Como dizia Churchill a Democracia não é um sistema perfeito mas ainda não foi inventado melhor.

O facto é que tentar relançar um sistema democrático por meios não democráticos é um erro que acaba sempre por ter custos difíceis de cobrir.

Uma data para reflectir.