sexta-feira, 28 de maio de 2010

Saldanha Sanches

Não me situo no mesmo quadrante político de José Luis Saldanha Sanches mas reconhecia-lhe uma característica que, a tem também sua mulher, e que no texto (abaixo) que lhe dedica e que publicou, diz: "A intolerância contra os corruptos, cobardes e oportunistas". Não posso estar mais de acordo.

Zé Luis: começámos esta tua última viagem (tu gostavas de viagens) na cama 56 dos serviços de cirurgia 1 do Hospital de Santa Maria. Lia-te poesia e um dia parámos neste poema da Sophia de Mello Breyner:

”Apesar das ruínas e da morte,

Onde sempre acabou cada ilusão,

A Força dos teus sonhos é tão forte,

Que tudo renasce a exaltação

E nunca as minhas mãos ficam vazias”.

Assim foi.

No teu visionário e intenso mundo, a voracidade de um cancro traiçoeiro não te consumiu a alegria, a coragem, a liberdade.

Entraste pela morte dentro de olhos abertos. O mundo que habitavas era rico de ideias, de sonhos, de projectos, de honradez e carinho.

Percebemos o que ia acontecer quando no fundo do teu olhar sorridente brilhava uma estrela de tristeza. Quando te deixava ao fim do dia na cama 56 e te trazia no coração enquanto descia a Alameda da Cidade Universitária a respirar o teu ar da Universidade, das aulas e dos alunos que adoravas, do futuro em que acreditavas sempre.

Foste intolerável com a corrupção, com os cobardes e oportunistas. Não suportavas facilidades. Resististe à sordidez, à subserviência, à canalhice disfarçada de respeitabilidade e morreste como sempre viveste - livre.

Uma palavra para aqueles que te acompanharam nesta última viagem:

para os melhores médicos do mundo, para as melhores equipas de enfermagem e de apoio, num exemplo de inexcedível dedicação ao serviço médico público.

Vivi com emoção diária o carinho com que te cuidaram.

Uma palavra de gratidão sentida para o Professor Luis Costa e para o Paulo Costa. E para um velho amigo de sempre o Miguel.

Também para Laura e para o Jorge e para a minha mãe e toda a família que nunca te deixou.

Por fim uma palavra para aqueles amigos que inventaram uma barricada contra a morte no serviço de cirurgia 1, cama 56, e te ajudaram a escrever, a pensar, a continuar a trabalhar: o João Gama, o João Pereira e senhor

Albuquerque, cada um à sua maneira.

Suspiraste nos meus braços pela última vez cerca da 1,15 da madrugada do dia 14 de Maio.

Vai faltar-me a tua mão a agarrar na minha enquanto passeávamos e conversávamos.

Provavelmente uma saudade ridícula, perante a força do exemplo e da obra que nos deixaste e me foi trazido por todos aqueles que te homenagearam – a quem deixo a tua eterna gratidão.

Tenham a coragem de continuar.

[16.05.2010 - Maria José Morgado]


Sem comentários: