terça-feira, 29 de setembro de 2009

A Fronteira da Discórdia


Hun Sen, o Primeiro Ministro do Cambodja falando na inauguração do novo edifício do Ministério do Turismo em Phnom Penh, aproveitou o momento para atacar forte sobre a Tailândia a propósito da disputa sobre os 4,6 km2 de terreno adjacentes ao templo de Khao Phrae Viharen.

Nove dias depois dos incidentes provocados pela manifestação do PAD no local Hun Sem aponta as armas contra o seu vizinho e dispara forte. Primeiro afirmou que se alguém se atrever a atravessar a fronteira (na versão do Cambodja os 4,6 km2 não são discutíveis, são deles) será recebido a tiro e continuou dizendo que tinha dado instruções ás tropas para atirar à vista caso isso aconteça. O Cambodja não quer guerra mas tem o direito de abater os inimigos no seu território, palavras bem claras de Hun Sen

Hun Sen afirmou que eventualmente levará o caso das “violações” da fronteira à próxima cimeira da ASEAN (terceira semana de Outubro) e se Abhisit me vier mostrar algum mapa deles rasgo-o na sua cara, concluiu desafiando.

Em mais um momento da grande fraqueza da liderança Tailandesa Hun Sen aproveita para entrar na via do sensacionalismo nacionalista capaz de encher de fervor patriótico os corações do seu povo e assim fazer esquecer outras mazelas.

Do mesmo modo do “lado de cá” o PAD tem usado a questão da fronteira como uma arma nacionalista mesmo sem olhar à história que lhe está por detrás.

As disputas sobre a fronteira Siamesa-tailandesa e o Cambodja estão reguladas por três documentos. O Tratado de 13 de Fevereiro de 1904, o Acordo de 23 de Março de 1907, ambos assinados pelo Rei Rama V com a França, então colonizadora do actual Cambodja e pelo Memorandun de Entendimento de Setembro de 2000 assinado durante o Governo de Chuan Lekpai. Para além destes documentos existe a decisão do International Court of Justice de Junho de 1962 que atribuiu o templo ao Cambodja, mas não se pronuncia sobre os terrenos adjacentes, e o Tratado de Amizade e Cooperação da ASEAN em que os membros signatários renunciam a qualquer forma de agressão entre si.

Através do primeiro instrumento foi obtido o acordo do trabalho iniciado pela comissão mista siamesa-francesa e em 1907 assinou-se a demarcação da fronteira que resultante desse trabalho conjunto. É esse mapa que actualmente o Cambodja reclama como bom e que na verdade nunca foi contestado, nas correctas instâncias pelos siameses-tailandeses. Nesse momento o Anexo 1 do Tratado de 1907 não foi incluído no documento, embora tivesse sido enviado ás duas capitais e é considerado trabalho da comissão mista, mas os siameses nunca reclamaram contra tal facto e o Príncipe Damrong, ao tempo Ministro do Interior recebeu o mapa e distribuiu pelos chefes provinciais.

Outro facto relevante foi a visita feita em 1930 ao templo de Phrae Vihaern pelo mesmo Príncipe Damrong onde foi recebido oficialmente pelo representante do Governador francês. No local encontrava-se hasteada a bandeira francesa. Nunca os siameses reclamaram do facto.

Note-se que o Príncipe Damrong, filho do Rei Rama IV é considerado uma das figuras mais importantes da primeira parte do século XX no Sião-Tailândia pelo seu papel de grande relevo nos sectores da Educação e da Saúde. Foi o primeiro tailandês a ver o seu nome incluído no livro que regista as pessoas mais importantes do Mundo pela UNESCO.

Como dizia um velho habitante outro dia, na altura dos confrontos na fronteira provocados pela manifestação do PAD. Sempre vivemos em paz aqui, uns com os outros, numa comunidade que muitas vezes se confunde através dos casamentos transfronteiriços, e agora vêm os de Bangkok (e eu diria os de Phnom Penh) perturbar a nossa vida e tornando-a mais difícil.

Olhando para a história, e outros melhor o farão já que não sou historiador, entende-se que sempre que um dos reinos era forte o outro vinha prestar vassalagem e vice-versa. E assim se viveram centenas de séculos em harmonia e disputas dentro de regras de respeito que agora as “politiquices” do século XXI querem estragar.

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