segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Conflito na Fronteira

Depois do cessar-fogo acordado no final do Sábado as tropas dos dois países voltaram a trocar tiros no Domingo ao fim do dia e hoje, Segunda-feira desde as 4 da madrugada.

Ambas as partes acusam a outra de ter dado início às hostilidades e na verdade parece terem sido os cambojanos os primeiros a disparar num acto de retaliação contra a intrusão das tropas tailandesas que tentaram obstruir com tanques e outro material pesado, os trabalhos de construção, pelos cambojanos, de uma estrada, junto do Templo de Phrae Vihearn, na área tida pela Tailândia como "em disputa" e pelo Camboja como "parte do território khmer".

O cessar-fogo parece ter sido uma encenação de uma cena de uma novela que tem um argumento muito complexo.

Em Junho de 2008 o movimento amarelo do PAD aproveitou-se do acordo assinado pelos dois países para propor à UNESCO a candidatura do templo da discórdia para iniciar uma campanha nacionalista que lhes desse algum fôlego na luta contra o governo de Samak Sundaravej. Até então estava em normal funcionamento o Joint Border Commission, instrumento saído do Acordo assinado por ambos os países em 2000 e que é a plataforma necessária para discutir as questões relacionadas com a demarcação de fronteiras.

Há 702 km de fronteira entre os dois países que estão precariamente demarcados e ambas as partes usam diferentes mapas. Note-se que alguns dos mapas datam dos tempos coloniais franceses e foram mesmo assinados pelos siameses em contextos de salvaguarda da soberania e no intuito de evitar incursões quer francesas no que respeita à fronteira leste quer inglesas no que respeita as fronteiriças sul e oeste.

Esta fraca demarcação é uma realidade com a qual os dois países têm vivido e o mais importante é que as populações das zonas fronteiriças vivem em plena comunhão e essencialmente do comércio comum que sempre se estabelece nestes casos. As fronteiras são por vezes tão pouco claras que me lembro um dia de ter atravessado do Laos para o Camboja, na província de Champasak onde a fronteira é simplesmente uma barreira numa estrada rudimentar. Passar a linha que supostamente divide os dois países 50 metros para a direita ou para a esquerda é completamente possível e acontece mesmo sem disso se ter a consciência. Assim são muitas das zonas adjacentes ao templo acrescendo a isso o facto de cada país usar um mapa diferente onde se puxa ou empurra a linha imaginária da fronteira de acordo com os interesses do momento.

Os assuntos de política interna e a necessidade de satisfazer clientelas, fundamentalmente nas duas capitais acaba por acirrar os humores e os resultados estão à vista.

Há neste momento material de artilharia pesado frente a frente e os 4,6 km2 na zona adjacente ao templo e que pertence a ambos os países de acordo com interpretação individual que agora fazem (note-se que o JBC reconhece tal pedaço de terreno como "território em disputa") e este facto por si só faz com que disparos ocorram apesar do "declarado" cessar-fogo.

Para além dessas escaramuças militares também civis de ambos os países têm sido alvos do fogo e largas centenas tiveram de ser evacuados do local depois das suas vilas terem sido fortemente atingidas por morteirada contrária.

Tem também havido intervenção da aviação mas pelo momento tal tem sido somente como apoio às operações no terreno.

Os números de mortos e feridos de cada um dos lados não é claro mas deve contar-se ainda com um dígito embora no Sábado, instigado por um comentário de um dos mais próximos colaboradores da Abhisit, um jornal tailandês tivesse colocado em primeira página que teriam sido mortos 60 cambojanos, facto que nenhum outro jornal, nem deste nem do outro lado relatou ou confirmou.

Esta manha o porta-voz do exército tailandês mostrou o endurecimento da posição ao afirmar que tinha terminado o tempo para negociações.

Quer o secretariado-geral da ASEAN, quer a presidência Indonésia quer Singapura já vieram apelar à contenção a disponibilizar-se para mediar a disputa oferta de imediato recusada por Abhisit.

Entretanto o Camboja já enviou o caso para o Conselho de Segurança na ONU acusando a Tailândia de agressão e de ter causados danos no templo de Pharae Vihaern, facto que levou o Ministro Kasit a convocar todos os Embaixadores da ASEAN (excepto Camboja) mais os dos países membros do Conselho de Segurança para lhes descrever a posição tailandesa.

Hoje mesmo o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Indonésia, Marty Natalagwa, um diplomata de grande prestígio, vai a Phnom Penh e Bangkok e por certo irá discutir com os dois governos a actual tensão.

Um detalhe não muito mencionado mas que de alguma forma cria atritos na dissuasão do problema é o facto do Parlamento tailandês ainda não ter aprovado as minutas da última reunião da JBC, que ocorreu há 18 meses, e desse modo inviabiliza a continuação dos trabalhos. De acordo com a presente constituição, artigo 190, todas as decisões em acordos de qualquer tipo em questões bi ou multi laterais têm obrigatoriamente de ser aprovadas previamente pelo Parlamento. Note-se, a título de exemplo, que a agenda de uma reunião de alto nível entre a Tailândia e um outro país tem de obter prévia aprovação parlamentar para poder prosseguir. De outro modo só se pode realizar mas não poderá haver nenhuma decisão ou acordo. Tal artigo, que eventualmente poderá ser emendado na alteração ao texto constitucional presentemente em discussão, tem sido um forte entrave à política externa tailandesa.

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