Estou na Tailândia à escassos 5 anos mas tenho tido a preocupação de tentar ter os ouvidos, os olhos e no fim todos os sentidos bem abertos para a cultura deste país e mesmo desta região. Quem pretende entender o que por aqui se passa tem de ter a mente e o corações muito bem abertos, não para absorver cegamente mas para assimilar, compreender e assim poder dar o seu modestíssimo contributo para alguma coisa.
A grossa maioria dos meus amigos, quer no trabalho quer no dia a dia pessoal, são tailandeses o que ajuda nesta tarefa de melhor compreender a cultura. São pessoas, felizmente, de diversos estratos sociais e com diferentes educações, alguns de Bangkok, outros de variadas províncias e assim vou-me enriquecendo estando atento a tudo o que dizem e de alguma maneira também criando desafios neles próprios e assistindo à sua evolução.
É assim o entrecruzar de culturas e como já por vezes referi o Professor C K Prahalad dizia, e eu retive para sempre, " it is not important to be qualified, it is important to stay qualified".
Vem isto tudo a propósito de um encontro que tive toda esta manhã no Directorate of Intelligence do Exército Real Tailandês.
Tratava-se de apresentar a um grupo de 40 oficiais do Exército as experiências da União Europeia sobre aquilo que designaram por Border Management.
O assunto fundamentalmente tem a ver com as questões de segurança e também dos direitos humanos, relacionadas com os movimentos de pessoas, migrações, que tanto afecta a Tailândia e a Europa como também sabemos com as constantes notícias que nos chegam especialmente da costa Sul de Espanha.
A Tailândia tem fronteiras com quatro países, Burma/Mianmar, Laos, Cambodja e a Malásia e em todas estas fronteiras existem problemas, normalmente relacionados com a passagem ilegal de pessoas e com a fraca demarcação, ou falta dela, nas quatro fronteiras.
Existem aqui mais de 2.000.000 de trabalhadores ilegais, na sua maioria vindos (ou empurrados para fora) de Burma/Mianmar, mas uma grande parte desses ilegais são necessários para alimentar a força de trabalho barata que permita competir com a China nalguns sectores. Este é um problema a que a Europa não é de todo alheia pois existem no território da União mais do que o número referido atrás nas mesmas condições. Para além dos illegal workers, como são aqui chamados, existem os refugiados ou displaced persons, para os tailandeses, que são mais de 150.000 também na sua maioria birmaneses mas também uma parte pertencente aos refugiados Hmong do Laos.
No Sul existem os problemas transfronteiriços que ajudam, segundo uns, á insurreição na região que já causou em 5 anos quase que 4.000 mortos, e no Cambodja, se se lembram no ano passado chegou a haver tiros na fronteira, com alguns mortos e feridos de ambos os lados, em redor da questão de pertença do templo de Prasat Khao Prha Viharn.
Grande porosidade de fronteiras, má ou insuficiente demarcação e séculos de história estão na base destas questões.
A Europa que nasce no rescaldo da Segunda Guerra Mundial e no desejo de alguns visionários como Schuman, de não ser possível que os europeus continuassem a lutar entre eles como o tinham feito quase que sempre até então, começou um processo de absorção das diferenças geradoras das disputas, delimitando fronteiras e acabando por, apesar das diferenças culturais e da diversidade sócio-étnica dos seus povos, construir, goste-se ou não, um bloco sólido e onde a Paz é uma realidade já lá vão 63 anos. É aliás esta a maior conquista da União Europeia.
Surin Pitswan o Secretário-Geral da ASEAN costuma dizer que a UE não é o modelo mas a inspiração para este agrupamento regional e assim se tem vindo a construir a ASEAN apesar das enormes barreiras ainda existentes, sendo talvez uma das mais notórias a falta de confiança ainda existente entre os seus países membros que obsta a qualquer abertura mínima em concessões de soberania, como as que existem na Europa (Schengen, Mercado Interno, Euro, ect.) através do processo de integração.
Hoje contudo ao discutirmos as experiências da Tailândia e da UE sobre as questões de segurança e controlo fronteiriço saltou a lume uma questão fundamental e que me levou a muito pensar.
A tremenda dificuldade que é para nós, aculturados ocidentais, entender o pano de fundo de funcionamento nesta região do globo.
Nós Europeus somos racionalista por natureza, burocratas, alinhavados com preceitos e manietados em convenções e regulamentações. Os Asiáticos, pelo menos os que conheço melhor, são livres, menos arregimentados para além das suas organizações familiares gregárias, e aquilo que poderemos definir como independentes. Nalguns aspectos, caso por exemplo da segurança, são demasiado "livres de regras" mas aqui também há que se entender que a vida é só uma simples passagem no tempo.
Voltando á questão das fronteiras ainda ontem vinha uma fotografia num jornal onde se via habitantes de duas povoações, de cada lado do rio, e da fronteira, a trabalhar em conjunto, no meio deste, a criar como que uma espécie de barragem protectora, mesmo eventual meio de passagem. Não havia ali território distinto, não havia ali passaportes nem outros quaisquer documentos. Também em tempos numa fronteira com o Laos vi pessoas a passar de um lado para o outro sem que mostrassem algum documento. Nas zonas adjacentes a Kaho Prha Viharn, as povoações misturam-se normalmente constituindo famílias mistas sem que exista uma clara consciência desse facto. São simplesmente "vizinhos" que se conhecem e que passam a vida em conjunto sem as preocupações tidas quer em Phnoh Penh ou em Bangkok, sobre se estão a pisar uma parte do outro país ou não.
A forma como os oficiais esta manhã falavam dos problemas fronteiriços, da repatriação do Hmong ou dos campos em Mae Sot nada tinha a ver com a forma como nós, ocidentais, abordamos as mesmas questões. O que estava na mente deles era que prestavam aos Hmong, ou aos refugiados birmaneses comida, educação, cuidados sanitário, etc. As muitas questões que se colocam hoje em dia quando são repatriados e em muitos casos mortos posteriormente no Laos, no caso dos Hmong, não lhes passa pela cabeça nem tal faz parte da estrura de pensamento deles. Quando questionados sobre o que as autoridades no Laos fariam depois, era para eles uma questão interna, mas por certo os "irmãos" laocianos tinham os mesmos cuidados que eles.
Na realidade quando "forças da ordem" são deslocadas para a Tailândia profunda para tratar destas questões fazem-no no respeito pelas tradições, pela senioridade, e poderá dizer-se á sua moda pelas pessoas, que não pela lei. Nem esse é um ponto relevante. Talvez por isso, aqui, advogado não é uma profissão prestigiada, como por exemplo em Portugal, porque só se usa um advogado quando se tem um problema com a justiça e isso é sempre mau sinal. Aqui segue-se para Direito, quando "não se é capaz de tirar outro curso".
Para finalizar o que me entristece no fundo é que em Bangkok, como em Lisboa ou noutras capitais, ainda existem políticos, normalmente são sempre estes, que não "conhecem" os costumes e a cultura do seu próprio povo, abusam dele, utilizam-no e tudo fazem no fim para o desacreditar desque que consigam arrancar-lhes os tão desejados votos que os coloquem no poder.
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