quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Vermelhos e Jacarta

Ao fim de mais de 9 meses em prisão preventiva sete líderes da UDD-vermelha foram ontem libertados sob caução pelo tribunal criminal de Bangkok.

Abhisit felicitou o acto e disse que era um passo positivo no sentido da reconciliação necessária para que o país avance para eleições parlamentares que terão lugar este ano.

A libertação incluiu duas condições: os então presos não podem sair do país e não poderão envolver-se em actividades que incitem à desobediência da ordem ou sublevação, questão um pouco vaga e sujeita a várias interpretações. É contudo crível que os sete membros da UDD possam participar em manifestações do movimento que se conduzam de forma pacífica, como tem acontecido recentemente onde, apesar do número de pessoas que se manifestaram ser bastante grande, não houve nenhum incidente.

A decisão do tribunal deixa contudo uma questão que tem sido hoje arejada na imprensa local quer na de língua tailandesa quer na de língua inglesa. Quais foram as circunstâncias que mudaram para que o tribunal tenha alterado a posição anteriormente assumida, por duas vezes, de despachar negativamente o pedido dos presos para serem libertados sob caução?

Recorde-se que os membros da UDD-vermelha estavam presos desde o dia 19 de Maio de 2010 acusados de actos de terrorismo, embora nunca tenha havido nenhum despacho de pronúncia sobre o caso. Faz-me reviver tempos passados em Portugal quando o "General" Otelo Saraiva de Carvalho, então comandando o COPCON, emitia mandados de captura com acusações relativas aos perigos para a segurança do estado (naquela altura não se falava em terrorismo) e as pessoas eram libertadas, depois de passarem uns tempos na cadeia, sem saberem bem porquê. Sou testemunha real disso mesmo.

O despacho do juiz em Bangkok só refere a decisão favorável ao pedido do advogado dos vermelhos e as condições da libertação e o montante da caução.

Importante agora será observar o seguimento das posições que a UDD irá tomar numa reunião hoje mesmo na capital.

Um dos seus líderes disse já que a programada manifestação do dia 12 de Março deve seguir para a frente, visto haver ainda mais de 100 militantes presos nas mesmas condições dos líderes ontem libertados e que a luta tem de continuar até á libertação de todos.

Entretanto no que respeita o conflito entre a Tailândia e o Camboja realizou-se ontem a reunião prevista em Jacarta, que correu num ambiente de grande respeitabilidade, tendo essa cimeira acordado nos seguintes pontos: os dois países voltarão a sentar-se à mesa das negociações no âmbito da Comissão Junta de Demarcação das Fronteiras mas essa reunião, ainda sem data marcada, terá lugar em Jacarta sob os auspícios e apoiada pelos serviços da diplomacia indonésia; o segundo ponto foi a autorização dada pelo conjunto dos MNE da ASEAN para que a Indonésia envie observadores para ambos os lados da fronteira onde ficarão estacionados e a relatar os desenvolvimentos. De igual modo ainda não foram estabelecidos os termos de referência para essa missão.

Mais uma vez a diplomacia Indonésia funcionou e conseguiu com estas duas decisões acomodar de alguma forma as posições de ambas as partes.


segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Desenvolvimentos do Dia

Alguns desenvolvimentos no conflito fronteiriço com o Camboja.

De acordo com fontes vindas do outro lado da fronteira tanques Vietnamitas e aviões chineses têm estado a "ajudar" o exército Khmer nesta campanha.

As forças armadas do Camboja, agora lideradas por Hun Manet, o "herdeiro" de Hun Sen, são incomparavelmente menores do que as tailandesas. Também o são os dois países quer em população quer em riqueza. Assim não é de estranhar que o Camboja tente recorrer aos "amigos" em momentos difíceis.

O Vietname, inimigo de longa data mas com agendas similares serve na perfeição os interesses de ambos. De um lado já que virar-se para Oeste está complicado o Camboja têm de o fazer para Leste. Do outro lado o Vietname só tem a ganhar aumentando a sua influência sobre o vizinho. Ganha junto do seu povo ao dizer ajudar os irmãos Krom (grupo Khmer que se divide pelos dois países), ganha em estabilidade evitando conflitos na fronteira oeste como tem havido também de tempos a tempos e ganha em ter mais um apoio na região.

Os chineses têm pouco a pouco aumentando a sua influência para o Sul. Primeiro o Laos onde a sua presença é bastante significativa havendo verdadeiras cidades chinesas em desenvolvimento no país, e posteriormente o Camboja país que é visto com redobrado interesse quer pelos chineses quer pelos americanos, de vido á sua posição na região, ao seu potencial de crescimento, aos benefícios que o seu governo vai ando aos investidores estrangeiros e ao petróleo e gás natural na plataforma do golfo da Tailândia.

A ser verdade a existência desses apoios tal mostra a inevitabilidade da internacionalização do conflito.

Ainda do lado do Camboja Hun Sen recusou liminarmente qualquer negociação com o governo de Abhisit se este se fizer representar pelo MNE Kasit sugerindo mesmo nomes como o do Ministro da Defesa, Pravit ou do Ministro da Presidência, Ong-art. Hun Sem tem boa memória e não se esquece dos adjectivos com que era qualificado quando o actual MNE Kasit subia aos palcos do PAD-amarelos e blasfemava contra o líder do país vizinho.

Para finalizar com o Camboja Hun Sem já afirmou que está de acordo com a sugestão tailandesa de requerer o envio de observadores da ASEAN para a zona do conflito.

Do lado tailandês dois temas dominam o dia: a questão em torno do cessar-fogo assinado pelo comandante-chefe da região 2 e Hun Manet e que é qualificado por Kasit como um documento feito para apreciação dos superiores e sem valor imediato. Sobre este mesmo tema o PAD-amarelos já se manifestou afirmando que o acordo viola a Constituição (art. 190). É curioso ouvir o PAD a falar de violar a lei quando neste próprio momento se manifestam há quase 1 mês, bloqueando uma importante via na capital em violação da lei de Segurança Interna em vigor na zona e do requerimento do tribunal emitido na semana passada para que evacuassem os locais que ocupam, isto sem falar da ocupação dos aeroportos em 2008. De igual modo será curioso ouvir se o PM se vai referir a este ponto já que no passado dia 11 o Parlamento aprovou por maioria, uma proposta do Partido democrata de revisão constitucional, que visa exactamente este art. 190. Após a votação Abhisit afirmou para a comunicação social que "agora o caminho estava aberto para um melhor funcionamento da diplomacia" embora seja sabido que para entrar em vigor a referida alteração necessitar de uma lei orgânica que nunca estará em vigor antes de largos meses de trabalho.


O outro tema é o facto de saber-se se foram ou não utilizadas bombas de fragmentação, munições proibidas por convenções internacionais das quais a Tailândia é signatário, durante os recentes conflitos. Ontem o Bangkok Post trazia um artigo com o título "Quem é tailandês quem é cambojano?", num trabalho tendente a mostrar que no fim de contas quem sofre são as populações das zonas fronteiriças, onde o articulista mostra evidências da utilização das referidas bombas o que tem sido, até agora, repetidamente desmentido pelo governo tailandês.


Fotografia no Bangkok Post

Há que esperar e ver se há alguma reacção de Abhisit, calado até ao momento.

Reunião de Jacarta

Amanhã é um grande dia para a ASEAN.

Devido à liderança da presidência Indonésia a ASEAN conseguiu dar um passo em frente na integração do bloco regional com a convocação para amanhã 22 de Fevereiro, da reunião extraordinária dos Ministros dos Estrangeiros para debater o conflito de fronteira entre a Tailândia e o Camboja.

Já várias vezes referi Marty Natalegwa, o MNE indonésio, e a sua experiência diplomática têm sido um factor determinante não só neste conflito mas fundamentalmente na construção do modelo assumido pelos estados membros na Constituição de 2008.

Ainda não muitos anos atrás eram outros países da região a terem uma intervenção nos assuntos na Indonésia. Lembre-se as forças tailandesas, filipinas e de Singapura enviadas para Timor-Leste e as missões cumpridas em Aceh na sequência da paz alcançada sob os auspícios da União Europeia numa missão liderada por Mahti Ahtisaari. Nessa altura as intervenções ocorreram a pedido quer da ONU quer da EU mas não aconteceram no âmbito da ASEAN.

A entrada em vigor em Dezembro de 2008 da Constituição da ASEAN marcou definitivamente a associação regional mas faltava, apesar da qualidade do secretário-geral Dr. Surin Pitswan, uma liderança na sua presidência capaz de dar os passos necessários para se atingirem os objectivos bastante ambiciosos ali estabelecidos.

Em 2009 a presidência foi exercida pela Tailândia mas todos nos lembramos da impossibilidade que o governo teve de conseguir ultrapassar pacificamente esse ano e contribuir para o avanço da associação. Uma cimeira cancelada, outra realizada sob forte escoltas militares e sem a presença de quase 50% dos líderes, e uma cimeira da EAS, o mais que provável futuro da arquitectura regional para a região da ásia-pacífico, sem brilho e feita á pressa com medo dos problemas que afectaram outras cimeiras. A presidência tailandesa conseguiu contudo lançar a primeira pedra daquilo que será a comissão dos direitos humanos regional, ainda que, devido aos problemas na Birmânia e ao pouco interesse manifestado por países como o Camboja, Laos, Singapura e Vietname, a Comissão Intergovernamental sob os Direitos Humanos ainda quase que não passou de uma declaração de intenções feita em Outubro de 2009 na cimeira de Hua Hin-Cha Am.

Em 2010 a presidência do Vietname passou-se como o país a quis ou seja contando rapidamente os dias até ao seu termo e sem avanços que se possam considerar significativos para avançar com os objectivos estabelecidos para 2015 de criar vários pilares comuns dentro da ASEAN.

Depois da Indonésia iremos ter as presidências do Camboja, Brunei e Birmânia e, segundo me dizia um professor de Chulalongkorn outro dia, há que fazer todos os esforços para que o impulso que a Indonésia está a dar não se esfume nas próximas presidências.

A reunião de amanhã em Jacarta será uma oportunidade única para os 10 países mostrarem que querem uma ASEAN forte e capaz de ser o pivot na EAS criando as condições para que a associação possa ter um papel crucial na construção de uma ASEAN de 10, coesa e unitária, e não uma ASEAN de países que não conseguem atingir os desígnios que os próprios se obrigam ao assinar tratados e convenções conjuntamente.

O conflito entre a Tailândia e o Camboja é um conflito, se bem que historicamente entendível, "impossível" à luz do direito internacional. Recorde-se que os dois países são signatários do Tratado de Amizade e Cooperação onde, entre outros aspectos, os signatários se comprometem a renunciar a qualquer acto de agressão mútuo.

Entretanto na frente diplomática e militar entre a Tailândia e o Camboja alguns desenvolvimentos durante o fim-de-semana. Os militares dos dois países sentaram-se á mesa e acordaram um cessar-fogo que o PM Abhisit teve logo que vir a terreiro afirmar não ser um acordo formal visto o PAD-amarelo ter acusado o PM de ter autorizado a perca de território para os cambojanos com aquele acordo. Entretanto o MNE tailandês teve um primeiro passo diplomático positivo nesta guerra de comunicação. Mantendo sempre a sua posição de querer resolver o assunto pela via bilateral, como já expliquei aquela que garante à Tailândia que não haja nenhuma decisão baseada no direito internacional que sempre perderá, afirmou que iria defender na reunião de Jacarta que a ASEAN enviasse observadores para apreciar a situação na fronteira. O Camboja, que não tem o problema tailandês de haver demasiadas vozes a falar (PM, MNE, Ministro da Defesa, Comandantes militares, PAD, etc.), visto que só uma voz é autorizada, a de Hun Sen, tem sempre insistido na presença de observadores da ONU tentando escalar o problema para um terreno que lhe pode ser mais vantajoso.

A Tailândia ao aceitar a mediação da ASEAN, embora mantendo que a reunião de amanhã é bilateral "com o apoio" da ASEAN, tenta trazer o conflito para um patamar mais próximo e menos internacionalizado o que lhe dará vantagens e poderá sempre contar com a Indonésia e com o secretariado, que querem aproveitar a situação para se afirmar ainda mais como os motores do agrupamento regional.

Muito está em jogo amanhã mas o grande arquipélago muçulmano, ainda não há muito com todos os problemas políticos e económicos conhecidos é hoje reconhecido como um exemplo de estabilidade e democratização no Mundo, vai ganhando neste tabuleiro diplomático.