Várias pessoas me têm perguntado se fui de férias devido à ausência do "espaço" há já uns dias.
Na realidade não fui mas apoderou-se de mim uma certa dificuldade para prosseguir.
Quando comecei a escrever já lá vão dois anos pretendia relatar um pouco do meu dia a dia em Bangkok. Acontece que durante esse tempo aquilo que acabou por dominar o meu trabalho e o meu dia a dia na capital foi os acontecimentos políticos.
Por força da minha actividade profissional, pelo impacto no nosso viver e porque na realidade este aspecto da vida da sociedade tailandesa era o dominante.
As lutas que se desenvolveram, primeiro contra os governos de raiz Thaksin, constituídos após as eleições de 2007 em que o Partido que representava os seus interesses ganhou, e depois contra o presente governo de Abhisit Vejjajiva foram o "prato do dia", e continuam a condicionar a vida diária não só nesta capital mas também em todo o país.
A Tailândia viveu momentos muito difíceis, infelizmente bastantes pessoas pagaram com a vida as diferenças que se iam acentuando na sociedade, mas também de alguma forma foi crescendo em consciência e em entendimento a necessidade de algo ser mudado. Tal veio ontem a lume em mais uma sondagem da Universidade Católica, que confirmava que uma larga maioria, mais de 2/3 dos inquiridos, de uma amostra superior a 2.000 pessoas por todo o país, embora não acreditando no plano de reconciliação iniciado pelo Governo, estavam desejosas de ver o país caminhar num rumo democrático e onde todos pudessem ter a sua voz.
O país está disposto a aceitar a diversidade e as diferenças de opinião, sempre tão positivo numa sociedade, mas na realidade tão não acontece.
Após ter sido interrompido o protesto da UDD, e digo interrompido já que nenhuma das causas que o iniciou se alterou e portanto o seu regresso é somente uma questão de tempo, o país mergulhou num período de estranha apatia e alguns dos sinais que existem são deveras preocupantes.
Em primeiro lugar o Estado de Emergência continua em vigor, o que por si só significa que o Governo entende que o país não está estabilizado. Há muitas leis que podem ser invocadas para defender ameaças para além do Estado de Emergência. Há muitos que contestam o facto de todos os países continuarem a ter alertas sobre as condições de viagem para o país, mas esquecem-se que os primeiros a dizer que a situação não está estabilizada é o próprio governo tailandês.
O Estado de Emergência mantém-se em vigor apesar dos apelos de muitos, inclusive apoiantes do governo, nomeadamente o sector empresarial (a falta de clientes na maioria de locais como hotéis, restaurantes, lojas, etc é uma realidade em todo o país), e para sustentar a sua manutenção o governo alega o facto de ter havido recentemente dois incidentes com explosivos. Um na sede do partido de Nevin (os jornais esqueceram-se de referir que o próprio Nevin, nos tempos em que alinhava com Thaksin, fez explodir a própria casa em Buriram e quando as evidências eram tantas de que não tinha sido um atentado escudou-se num acidente) que provocou pequenos estragos e um ferido ligeiro. O outro incidente foi o lançamento de três granadas contra um depósito de combustível na região da grande Bangkok. Os jornais no dia seguinte vieram com grandes manchetes de que teria sido um acto muito bem e demoradamente preparado. Difícil de crer já que os depósitos estão desactivados há mais de 20 anos e portanto se foi longamente preparado talvez tenha começado por essa altura mas os autores esqueceram-se de reanalisar a situação. O ataque não provocou nenhuns danos para além de mostrar, ainda mais, a ferrugem que corrói esses depósitos.
Onde o Estado de Emergência está a ser eficaz é no controlo da comunicação social e de toda a informação que circula na net. Têm sido realizados vários seminários na capital abordando essa questão, que parece ser o tema do momento, e a aplicação do art.º 9 do decreto que estabelece o Estado de Emergência que autoriza o governo a fechar meios de comunicação e a exercer censura sempre que entender que a segurança do estado está em perigo. Nós portugueses, conhecemos, infelizmente, bastante bem o que são este tipo de intervenções em defesa da segurança do estado. Deveremos ser mesmo peritos a nível mundial pois sofremos essa mesma indesejada intervenção vinda de dois quadrantes políticos ditos opostos.
Nos tempos de Thaksin os abusos sobre a liberdade de imprensa eram exercidos pela via do dinheiro. O estado e as empresas que queriam estar de bem com o governo selecionavam os meios de comunicação onde colocavam a sua publicidade de acordo com aquilo que estes relatavam. Outro modo era a continuada pressão através de acções criminais contra editores ou jornalistas que escreviam artigos tidos por ser contra o regime. Agora é tudo mais silencioso e feito ao abrigo da evocação da segurança do estado. Fecham-se os meios de comunicação, bloqueiam-se acessos e prendem-se pessoas mas ninguém é acusado formalmente e nem sequer à capacidade de apelar. Assim acontece e não há contestação possível.
Os sítios de net, Twitters, Facebook, etc, que têm sido fechados atingem, segundo alguns, já a casa dos 6 dígitos e o trabalho continua. Para além disso o governo, dizia hoje um dos mais reputados professores de ciência política da Universidade de Chulalongkorn, se o facto se deveria á desproporcional força actualmente detida pelos militares e não propriamente ao governo, está apostado na erradicação de todos os meios de comunicação que não transmitam a "verdade". Um jornalista francês que trabalha para a agência France 24, refere, também hoje, que durante os incidentes de Maio foi chamado ao CRES onde lhe perguntaram porque ia regularmente ao acampamento de Rajaprasong, ao que ele disse que ali ia para obter informação. A resposta que obteve é que, como ele fala tailandês fluentemente, deveria ouvir a televisão (estatal) se queria ter informação correcta e clara (presume-se que não disseram isenta ou que o trabalho de um correspondente é sentar-se no sofá e reproduzir a informação oficial).
Para além disso muitos outros factos vão acontecendo pelo país fora que não revelam estar-se num período de reconciliação ou a para lá caminhar.
Torna-se por demais doloroso ver que a muito necessária reconciliação e unidade não avança.
Sempre acreditei que os valores não se impõem, que os sentimentos não se injectam. O fundamental quando há uma mensagem a transmitir é que ela chegue ao destinatário e dele seja entendida no sentido de assimilada. Só assim a comunicação flui só assim se criam consciências desenvolvidas e capazes de intervir para benefício das sociedades em que se inserem.
Impor seja o que for a nada conduz mas pode contudo levar exactamente ao contrário daquilo que se pretende. É a velha história de empurrar a tampa da panela com força para baixo enquanto a água continua a ferver. Não resulta ela irá saltar um dia e nesse momento em vez de ser um movimento concertado será uma erupção, sempre pior.
Um dos grandes erros que muitas vezes as pessoas fazem é saber que uma mudança está no ar mas lutar desesperadamente contra ela. Se essa mudança é inevitável, e não me refiro exclusivamente a este país refiro-me a tudo em geral, é sempre preferível sermos o agente da mudança do que sermos colhidos na torrente das águas dessa mudança e portanto sermos levados na enxurrada sem nada poder-mos fazer.
No fundo talvez seja alguma frustração que me levou a parar estes dias, na expectativa de ver algo positivo acontecer.