quinta-feira, 26 de março de 2009

UDD em Marcha


Talvez por ser um dia auspicioso, segredado por algum fortune teller, mas o facto é que foi escolhida uma Quinta-feira, 26 de Março para que a UDD resolvesse marchar para Government House.

É muito normal aqui na Tailândia fazer-se isto ou aquilo porque o dia e por vezes a hora são reveladas como auspiciosas para o evento.

Quinta é um dia de trabalho, não é que no fim de semana muita gente não trabalhe mas há sempre os ªfuncionários" que só trabalham 5 dias por semana. Contudo hoje e à hora que se iniciou a manifestação só pode ser masoquismo. Estava um calor de ananases, como se diz na nossa terra, mas ali estavam na torreira umas 10.000 pessoas que começaram a ser "aquecidas" pelas canções (uma bela marcha heróica) e pelos discursos encalorados dos lideres no palco.

Vê-se que não é um movimento muito organizada (por exemplo não se vem "controleiros" como os guardas do PAD), nem por certo disponde de muito dinheiro. A comida que havia não era gratuita nem sequer as massagens.

Também aqui há as manifestações dos pobres e as dos ricos como as do PAD onde se comia muito bem e de borla e havia muita animação ao ponto de o actual Ministro dos Negócios Estrangeiros ter dito aos diplomatas aqui acreditados que eram, as manifestações do PAD muito divertidas e agradáveis de presenciar.

isto não quer dizer que os participantes da manifestação fossem "aquele gentalha" como alguns dizem, e viam-se mesmo bastantes meninas, e meninos, bem vestidos e de pele bem branca, sinal de dinheiro e da classe social daqueles que nunca pegaram numa enxada para trabalhar o campo.

Há dois elementos distintivos nesta organização. Enquanto os manifestantes são claramente "thaksinistas" e não escondem o seu amor pelo fugitivo ex PM, os discursantes nos palcos pretendem não o mencionar mas unicamente lançar as palavras de ordem anti governamentais que possam unir e empolgar a multidão.

Os pedidos sedes são os seguintes: A dissolução do Parlamento e convocação de eleições, a imediata demissão do Ministro Kasit pela sua participação activa na ocupação da Government House e dos aeroportos, muito visionada em fotografias e vídeos disponíveis, e os procedimentos criminais contra o PAD que já tardam demais.

Recorde-se quanto a este ponto que o PM Abhisit sempre afirmou que o seu Governo irá levar os responsáveis do PAD ao tribunal responsabilizando-os pelos seus actos ma só facto é que passado este tempo nada aconteceu e por exemplo quando a 26 de Fevereiro elementos da UDD assaltaram o Parlamento, foram constituídos arguidos em menos de uma semana. Esta política de dois pesos e duas medidas tem sido uma muito dura pedra no sapato de Abhisit.

Depois de sanam Luan, o Jardim Real se assim se pode traduzir, em frente ao Wat Phra Kaew, templo do Buda Esmeralda e um dos mais importantes templos em Bangkok, os manifestantes marcharam para ao Government House onde chegaram por volta das 2 da tarde hora local. Por ocasião da Makhawan Bridge, a manifestação engrossou significativamente com as pessoas que a esperavam e segundo os relatos da Polícia deverão estar neste momento cercando Government House cerca de 30.000 pessoas.

Os cerca de 9.000 polícias e militares que aí se encontram, mas numa atitude de grande deixa andar como pude constatar. foram empurrados para dentro do compound deixando para trás o equipamento, tal e qual nos tempos do PAD, e foram mesmo impedidos de receber mantimentos por um grupo de polícias que isso pretendia fazer. Entretanto vários contentores que as forças da ordem (?) tinham colocado para suster o avanço dos manifestantes foram removidos sendo inclusive alguns atirados ao canal que passa em frente a Government House.

Abhisit Vejjajiva, que hoje, coincidências (?), começou a distribuir os cheques de 2.000 bath ás pessoas que a ele tem direito decidiu fazê-lo na Municipalidade e não na sua sede, mas dizendo que essa mudança nada tinha a ver com a manifestação. Já estava planeada à tempos!

Ás 7 da tarde Thaksin vai falar ás massas em mais uma ligação vídeo para o local onde se encontram juntos e é espectável que o número de manifestantes suba consideravelmente talvez até para lá dos 40.000 segundos vários reportes.

Recorde-se que o PAD nunca conseguiu ter mais do que 25.000 na Government House embora tivessem uma organização superior e um objectivo muito mais aglutinador das massas do que a UDD. o PAD tinha por pano de fundo a luta contra Thaksin e isso é um forte argumento para juntar as pessoas. Do mesmo modo se pode dizer claramente que se Thaksin estivesse a falar ao vivo aqui em Bangkok teria por certo cerca de meio milhão de apoiantes á sua roda. Nunca este país teve alguém tão amado e tão odiado como o fugitivo ex-Primeiro Ministro.

Numa nota aparte ontem, aquele que é apelidado da "mão invisível", General Prem Tisulanonda, Presidente do Conselho Privado do Rei, afirmou que não ouvia os discursos de Thaksin pois não lhe interessavam e que os Conselheiros do rei nunca intervinham em questões políticas terminando por dizer que o país está muito bem entregue a Abhisit Vejjakiva e que este tem o seu apoio (sic). Para quem não intervém em política não está nada mau!

Quem se lembra da história recente da Tailândia e da génese do PAD e de tudo o que aconteceu não pode encontrar maiores semelhanças.

Como referi ao início a UDD não parece tão organizada nem dispões dos mesmos meios financeiros que o PAD tinha mas estas coisas podem mudar e aqueles que financiavam o PAD podem voltar para o outro lado se "cheirarem" que estes agora podem vencer.

Positivo é que a UDD me pareceu muito pacífica e o facto de não ter, por enquanto, nada que se compara com a força de choque dos guardas do PAD, verdadeiro bando de assassinos a soldo (pois é assim que os vi).

Esperemos que a Tailândia não sofra outra "aventura" igual á que levou aos 193 negros dias do PAD especialmente num momento em que a economia está a mostrar sinais de extrema fraqueza com os cofres tremendamente vazios e os militares a pressionarem para mais dinheiro como ontem aconteceu.

Para isso necessita-se de um Abhisit forte, capaz de liderar, capaz de dizer ás forças militares e militarizadas que quem manda no país é o poder civil e capaz de fazer com que a justiça e o respeito pelos direitos humanos sejam respeitadas e sirvam todos não só uma minoria de cor amarela.

quarta-feira, 25 de março de 2009

As Diferencas Culturais

Para quem conhece este é um jantar de comida tailandesa para estrangeiros



E este para tailandeses

Estou na Tailândia à escassos 5 anos mas tenho tido a preocupação de tentar ter os ouvidos, os olhos e no fim todos os sentidos bem abertos para a cultura deste país e mesmo desta região. Quem pretende entender o que por aqui se passa tem de ter a mente e o corações muito bem abertos, não para absorver cegamente mas para assimilar, compreender e assim poder dar o seu modestíssimo contributo para alguma coisa.

A grossa maioria dos meus amigos, quer no trabalho quer no dia a dia pessoal, são tailandeses o que ajuda nesta tarefa de melhor compreender a cultura. São pessoas, felizmente, de diversos estratos sociais e com diferentes educações, alguns de Bangkok, outros de variadas províncias e assim vou-me enriquecendo estando atento a tudo o que dizem e de alguma maneira também criando desafios neles próprios e assistindo à sua evolução.

É assim o entrecruzar de culturas e como já por vezes referi o Professor C K Prahalad dizia, e eu retive para sempre, " it is not important to be qualified, it is important to stay qualified".

Vem isto tudo a propósito de um encontro que tive toda esta manhã no Directorate of Intelligence do Exército Real Tailandês.

Tratava-se de apresentar a um grupo de 40 oficiais do Exército as experiências da União Europeia sobre aquilo que designaram por Border Management.

O assunto fundamentalmente tem a ver com as questões de segurança e também dos direitos humanos, relacionadas com os movimentos de pessoas, migrações, que tanto afecta a Tailândia e a Europa como também sabemos com as constantes notícias que nos chegam especialmente da costa Sul de Espanha.

A Tailândia tem fronteiras com quatro países, Burma/Mianmar, Laos, Cambodja e a Malásia e em todas estas fronteiras existem problemas, normalmente relacionados com a passagem ilegal de pessoas e com a fraca demarcação, ou falta dela, nas quatro fronteiras.

Existem aqui mais de 2.000.000 de trabalhadores ilegais, na sua maioria vindos (ou empurrados para fora) de Burma/Mianmar, mas uma grande parte desses ilegais são necessários para alimentar a força de trabalho barata que permita competir com a China nalguns sectores. Este é um problema a que a Europa não é de todo alheia pois existem no território da União mais do que o número referido atrás nas mesmas condições. Para além dos illegal workers, como são aqui chamados, existem os refugiados ou displaced persons, para os tailandeses, que são mais de 150.000 também na sua maioria birmaneses mas também uma parte pertencente aos refugiados Hmong do Laos.

No Sul existem os problemas transfronteiriços que ajudam, segundo uns, á insurreição na região que já causou em 5 anos quase que 4.000 mortos, e no Cambodja, se se lembram no ano passado chegou a haver tiros na fronteira, com alguns mortos e feridos de ambos os lados, em redor da questão de pertença do templo de Prasat Khao Prha Viharn.

Grande porosidade de fronteiras, má ou insuficiente demarcação e séculos de história estão na base destas questões.

A Europa que nasce no rescaldo da Segunda Guerra Mundial e no desejo de alguns visionários como Schuman, de não ser possível que os europeus continuassem a lutar entre eles como o tinham feito quase que sempre até então, começou um processo de absorção das diferenças geradoras das disputas, delimitando fronteiras e acabando por, apesar das diferenças culturais e da diversidade sócio-étnica dos seus povos, construir, goste-se ou não, um bloco sólido e onde a Paz é uma realidade já lá vão 63 anos. É aliás esta a maior conquista da União Europeia.

Surin Pitswan o Secretário-Geral da ASEAN costuma dizer que a UE não é o modelo mas a inspiração para este agrupamento regional e assim se tem vindo a construir a ASEAN apesar das enormes barreiras ainda existentes, sendo talvez uma das mais notórias a falta de confiança ainda existente entre os seus países membros que obsta a qualquer abertura mínima em concessões de soberania, como as que existem na Europa (Schengen, Mercado Interno, Euro, ect.) através do processo de integração.

Hoje contudo ao discutirmos as experiências da Tailândia e da UE sobre as questões de segurança e controlo fronteiriço saltou a lume uma questão fundamental e que me levou a muito pensar.

A tremenda dificuldade que é para nós, aculturados ocidentais, entender o pano de fundo de funcionamento nesta região do globo.

Nós Europeus somos racionalista por natureza, burocratas, alinhavados com preceitos e manietados em convenções e regulamentações. Os Asiáticos, pelo menos os que conheço melhor, são livres, menos arregimentados para além das suas organizações familiares gregárias, e aquilo que poderemos definir como independentes. Nalguns aspectos, caso por exemplo da segurança, são demasiado "livres de regras" mas aqui também há que se entender que a vida é só uma simples passagem no tempo.



Parece contraditório mas é a minha conclusão. Contraditório porque os tailandeses, e agora cinjo-me a estes, tem uma sociedade extremamente hierarquizada, baseada no respeito pelo Nai, Phuyai ou Pi, termos usados para significar quem é mais velho e portanto quem deve merecer mais respeito, independentemente de ser pobre ou rico, da minha cor ou da outra, uma sociedade que antes de respeitar as regras e as leis respeita os principios ancestrais e as tradições, uma sociedade onde a proximidade social, territorial, familiar, habitacional prevalece sobre outros principios.

Voltando á questão das fronteiras ainda ontem vinha uma fotografia num jornal onde se via habitantes de duas povoações, de cada lado do rio, e da fronteira, a trabalhar em conjunto, no meio deste, a criar como que uma espécie de barragem protectora, mesmo eventual meio de passagem. Não havia ali território distinto, não havia ali passaportes nem outros quaisquer documentos. Também em tempos numa fronteira com o Laos vi pessoas a passar de um lado para o outro sem que mostrassem algum documento. Nas zonas adjacentes a Kaho Prha Viharn, as povoações misturam-se normalmente constituindo famílias mistas sem que exista uma clara consciência desse facto. São simplesmente "vizinhos" que se conhecem e que passam a vida em conjunto sem as preocupações tidas quer em Phnoh Penh ou em Bangkok, sobre se estão a pisar uma parte do outro país ou não.

A forma como os oficiais esta manhã falavam dos problemas fronteiriços, da repatriação do Hmong ou dos campos em Mae Sot nada tinha a ver com a forma como nós, ocidentais, abordamos as mesmas questões. O que estava na mente deles era que prestavam aos Hmong, ou aos refugiados birmaneses comida, educação, cuidados sanitário, etc. As muitas questões que se colocam hoje em dia quando são repatriados e em muitos casos mortos posteriormente no Laos, no caso dos Hmong, não lhes passa pela cabeça nem tal faz parte da estrura de pensamento deles. Quando questionados sobre o que as autoridades no Laos fariam depois, era para eles uma questão interna, mas por certo os "irmãos" laocianos tinham os mesmos cuidados que eles.

Na realidade quando "forças da ordem" são deslocadas para a Tailândia profunda para tratar destas questões fazem-no no respeito pelas tradições, pela senioridade, e poderá dizer-se á sua moda pelas pessoas, que não pela lei. Nem esse é um ponto relevante. Talvez por isso, aqui, advogado não é uma profissão prestigiada, como por exemplo em Portugal, porque só se usa um advogado quando se tem um problema com a justiça e isso é sempre mau sinal. Aqui segue-se para Direito, quando "não se é capaz de tirar outro curso".

Para finalizar o que me entristece no fundo é que em Bangkok, como em Lisboa ou noutras capitais, ainda existem políticos, normalmente são sempre estes, que não "conhecem" os costumes e a cultura do seu próprio povo, abusam dele, utilizam-no e tudo fazem no fim para o desacreditar desque que consigam arrancar-lhes os tão desejados votos que os coloquem no poder.